Digitech iPB-10
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23 de novembro de 2011Entrevista: Orlando Plan-9
Nosso colaborador Jean Santos volta a atacar, dessa vez, batendo um papo esclarecedor sobre Fuzz, Transistores e outras coisas mais com Orlando “Fuzz” Ferreira, dono e idealizador da Plan-9. Confiram o papo!
Pedais & Efeitos: Você já começou nesse maravilhoso mundo dos pedais fabricando ou modificando pedais já consagrados?
Orlando: Comecei montando pedais para mim, como hobby, porque gosto de pedais antigos, mas era praticamente impossível conseguir estes pedais no Brasil. Hoje até está mais fácil, por causa da E-Bay, mas os preços ainda continuam absurdos, e muitas vezes os pedais antigos soam muito mal, precisam de uma revisão ou mesmo de um restauro para voltarem à velha forma.
Pedais & Efeitos: Quando e como foi que você percebeu que poderia fazer disso um negócio? Foi assim que surgiu a Plan-9 ou era algo que viria mais tarde?
Orlando: Chegou um ponto em que eu comecei a montar e modificar pedais para os amigos, os pedais começaram a ser muito elogiados, e eu percebi que aquilo podia ir além, que podia virar um meio de vida. Foi aí que surgiu a Plan-9.
Pedais & Efeitos: Percebemos que você tem uma paixão por efeitos vintage, principalmente no que se refere aos fuzzes, dá para explicar um pouco essa paixão?
Orlando: Eu sou historiador de formação, dei aulas e trabalhei com pesquisa durante um tempo, mas me cansei daquilo, e queria uma alternativa, assim fui estudar luthieria. Fiz o curso da B&H, mas percebi que sou uma negação pra trabalhar com madeira. Por outro lado, sempre gostei de eletrônica, e no curso de luthieria despontou essa vocação. Já como historiador eu gosto de coisas antigas, então foi natural unir as duas coisas, a eletrônica e a história, e daí a coisa de trabalhar somente com pedais vintage dos anos 60, que são principalmente os fuzzes, mas também os oitavadores, boosts, phasers e tremolos, entre outros. O negócio da Plan-9 é trabalhar com a recuperação de sons antigos, de recriação destes sons clássicos do rock que a gente ouve nos discos antigos e fica pensando como eles conseguiram aqueles timbres. Pra isso é preciso muita pesquisa, muito trabalho para o desenvolvimento de cada pedal. Eu não faço nada, nem mesmo uma simples modificação, sem antes pesquisar, juntar informações, literatura sobre o pedal em questão. A minha relação com a tecnologia passa pela história.
Pedais & Efeitos: Você é músico/guitarrista?
Orlando: Sim, eu sou guitarrista, toco desde os anos 80.
Pedais & Efeitos: Observamos orgulhosamente um esmero da Plan-9 na confecção dos pedais desde a escolha precisa dos componentes utilizados nos pedais, a qualidade destes componentes eletrônicos dita realmente a característica sonora de um pedal?
Orlando: A principal linha de trabalho da Plan-9 é a recriação da eletrônica e da sonoridade de pedais clássicos. Isso não é possível sem a utilização de certos componentes fundamentais para a recriação do som, que são os diodos e os transístores, componentes que atuam nos fuzzes e boosts amplificando e distorcendo o sinal. Por isso, quando iniciamos o estudo de algum pedal vintage tendo em vista a criação de um novo pedal Plan-9, precisamos antes de tudo verificar a disponibilidade dos transístores no mercado. Esses componentes nem sempre são disponíveis no Brasil Às vezes sim, e geralmente ‘bato muita perna’ atrás de transístores raros na região da Sta. Ifigênia, aqui em São Paulo. Mas quando são transístores de germânio, não tem jeito, só importando mesmo. Só utilizamos modelos consagrados de transístores de germânio, como o Texas Instruments CV7003 (versão militar do famoso OC44), O Mullard OC76, o Phillips OC75 encapsulado em vidro, e outros. Estes transístores estão ficando cada vez mais raros.
Pedais & Efeitos: Qual é o cuidado que você tem na escolha de um transístor de silício ou de germânio?
Orlando: Em primeiro lugar tomo cuidado com as falsificações. Mas isso é relativamente simples, porque as réplicas chinesas são muito mal feitas, e são poucas as falsificações existentes. Depois nós tomamos cuidado com a marca, porque tem algumas marcas que já eram ruins na época em que esses transístores foram fabricados, nos anos 60-70. Os melhores são das marcas Mullard, Phillips e Texas Instruments. E por fim a gente tem que confiar no vendedor, e isso é difícil de conseguir. Possuímos bons contatos na Alemanha e na Inglaterra que fornecem os transístores para a Plan-9.
A partir daí é preciso selecionar os transístores. A tecnologia dos transístores de germânio produzia componentes de parâmetros (como ganho e vazamento) muito variáveis, e para utilizar as peças num fuzz, para conseguir boa qualidade sonora é preciso testar cuidadosamente e selecionar as peças. Os multímetros atuais não servem para testar este tipo de transístor, então nós utilizamos um testador antigo, dos anos 70 para fazer isso. Geralmente, dos lotes de transístores que a gente importa, de 10% a 40% não servem para fazer fuzzes, tem que ser descartados pra outros usos ou estão mesmo imprestáveis. Então, tendo selecionado os transístores, cada um é numerado e as características deles vão para um fichário e os transístores são numerados e armazenados.
Estando todos esses detalhes acima resolvidos, então, quando eu vou montar um fuzz de germânio eu busco no fichário transístores cujos parâmetros são ideais para este pedal. Neste ponto, instalo os transístores selecionados num protótipo do pedal que eu mantenho especialmente para este fim, e realizo testes reais de som. Toco até encontrar um par (ou trinca) de transístores que casem perfeitamente, que soem ideais. Só então eu parto para a montagem e soldo estes transístores na placa do circuito.
Depois que o pedal está pronto, eu regulo a bias, colocando os transístores no ponto otimizado de operação. Para isso utilizo um pequeno controle interno do pedal, chamado trimpot. É realmente trabalhoso construir um bom pedal de germânio. E eu nem falei no trabalho de pesquisa e desenvolvimento do projeto do pedal.
Pedais & Efeitos: Qual é o pedal bestseller(campeão-de-vendas) da Plan-9?
Orlando: O Rams Head Si disputa este lugar com o Supa Fuzz Ge, nosso pedal que recria o Marshall Supa Fuzz dos anos 60.
Pedais & Efeitos: A temperatura pode influenciar o timbre de um fuzz de germânio?
Orlando: Sim. O germânio é um material cujas propriedades físicas são muito sensíveis às variações da temperatura, e foi principalmente por isso que ele foi abandonado em favor do silício. Quanto mais calor, mais ganho o transístor de germânio possui, e isso se traduz num fuzz em mais distorção. Existe um recurso, um truque que a gente utiliza, criado pela indústria nos anos 70, pra ‘tropicalizar’ o pedal, quer dizer, pra fazer o calor interferir menos no ganho do transístor. Mas essa proteção contra variações de temperatura não é mágica, tem limites. Essa característica do pedal de germânio é até legal, porque ele não é uma coisa só, ele é meio temperamental, se esquenta ele fica mais nervoso, se esfria ele fica mais calmo. É como um amp valvulado, ele parece um bicho vivo.
Pedais & Efeitos: Como você está enxergando o mercado nacional e internacional de fuzz hoje em dia? Tem coisa nova e interessante aparecendo ou o bom continua sendo os famosos dos anos 60/70?
Orlando: De 2001 pra cá, o que reinou no mundo dos handmades foram mesmo as recriações de pedais antigos. Todo mundo fez e ainda faz isso, mas poucos declaram. Se você pega, abre, e estuda os fuzzes, octave-fuzz e boosts mais famosos que estão no mercado atualmente, percebe de cara que não são pedais de tecnologia nova, mas a retomada de projetos consagrados dos anos 60 e 70, como o Octavia, os Tone Benders, o Super Fuzz. Observem que estou me referindo ao mercado dos handmades, e não aos grandes fabricantes, que tem a possibilidade de, além dos projetos tradicionais, ter uma linha muito mais ampla. Isso acontece por dois motivos, primeiro porque nós vivemos um momento cultural de grande nostalgia no rock. As pessoas olham para o passado e se fascinam com aquele mundo analógico, com a crueza e simplicidade dos efeitos, e querem trazer isso para o seu som. Por outro lado, não dá pra melhorar algumas coisas complicando a engenharia. Nem vou citar o grande fabricante que fez isso, que comprou diversas marcas de pedais clássicos e estragou quase todos com ‘melhoramentos’, vocês devem saber de quem estou falando(risos). Isso porque nem sempre o mais moderno que dizer o melhor. Por exemplo, você pega e faz um fuzz digital, o que sai? Uma porcaria. Ouve aí os fuzzes de pedaleiras digitais, de softwares, e depois me diga o que achou. O que dá pra fazer é pegar um projeto dos anos 60, como o Marshall Supa Fuzz, por exemplo, e fazer uma coisa que industrialmente a Marshall não tinha nem tem condição de fazer industrialmente, que é selecionar, testar e casar os transístores um a um, essa coisa artesanal que só o handmade tem condição de fazer. É o que a gente faz no nosso pedal correspondente ao Marshall, o Plan-9 Suppa Fuzz Ge. Além disso, é possível adicionar várias ‘comodidades’ modernas aos projetos vintage, como led, true bypass, proteção contra o ruído, contra variações da temperatura, contra rádio interferência; bem como controles de tonalidade e outras opções que ampliam a paleta sonora dos pedais.
Pedais & Efeitos: Dentre os vários Big Muffs que existem, qual é o que você mais admira?
Orlando: Todos os Big Muffs tem o seu charme, são pedais extraordinários e influenciaram profundamente a música atual. Por esta e outras razões eu tiro o chapéu para o Mike Matthews da Electro Harmonix. Todas as versões são excelentes, desde a primeira versão ‘Triângulo’ de 1972 até os relançamentos atuais Quando às variantes presentes não posso comentar porque não conheço. Eu pessoalmente aprecio mais a versão Rams Head de 1973-74, que é a que serviu de referência para a criação do Plan-9 Ram’s Head Si, principalmente porque ela sobressai mais no mix. Um dos problemas tradicionais do Big Muff é que o som se perde no mix da banda, mas o Ram’s é melhor neste quesito porque possui mais médios. É por esta razão que a maioria dos guitarristas prefere esta versão. E nem vou falar do David Gilmour, rs.
Pedais & Efeitos: Hoje em dia a maioria dos handmakers utiliza como tamanho padrão para os seus pedais as caixas da MXR, como e por que foi escolhido o tamanho da caixa dos pedais da Plan-9? Partindo do princípio que geralmente um fuzz não é um pedal de muitos componentes.
Orlando: Foi uma coincidência. Quando eu comecei a me aprofundar em eletrônica e a montar pedais, em torno de 2004, não havia a disponibilidade de chassis estilo Hammond, as caixinhas de alumínio utilizadas pela MXR e pela maioria dos handmakers. Nos EUA você compra isso fácil e barato, mas aqui estes chassis não chegavam. Então encontrei em uma loja na região da rua Sta. Ifigênia alguns chassis semelhantes aos que utilizo atualmente. Estes chassis eram bonitos, mas tinham alguns problemas de acabamento. Então resolvi aprimorar o projeto, redesenhamos o chassi no AutoCAD e ele passou a ser produzido pra gente por uma metalúrgica. Atualmente os chassis estilo Hammond chegaram ao Brasil e estão acessíveis. Ocasionalmente a Plan-9 os utiliza, principalmente para pedidos custom, mas foi até bom eles faltarem no começo, porque o chassi Plan-9 virou nossa marca registrada.
Pedais & Efeitos: Qual dos fuzzes da Plan-9 se destaca melhor no mix de uma banda? E qual é o mais amigável com pedais de Wah?
Orlando: Não dá pra responder isso com certeza, porque depende muito do estilo que você está tocando. Por exemplo, o Psycho Fuzz Si é excelente para surf e psicodelia, mas não serviria para tocar Hendrix, por exemplo. O 68 Classic serviria para Floyd e Hendrix, mas não para Ventures. De um modo geral, o que mais se destaca no mix é o Power Driver, pela versatilidade do controle duplo de tonalidade e por ser mais ameno e menos distorcido. Mas não é bem um fuzz, é um pedal de transição, quando a tecnologia do fuzz estava se transformando na dos overdrives, é mais um overdrive-fuzz e um saturador de valvulados. Todos os nossos pedais se comportam bem em contextos de banda, mas isso depende muito também do amplificador, da guitarra e do guitarrista. Os pedais antigos geralmente funcionam melhor com amps valvulados e com guitarras tradicionais, sem captadores cerâmicos de alto ganho e jamais com captadores ativos.
1 Comment
Muito bom e esclarecedor o texto de meu amigo Orlando sobre o mundo fuzz! Parabéns!